– Boa noite Vicente, estava sumido amigo.
– Nem me fale Jorge. Me serve uma cerveja e aproveita para somar o que estou te devendo.
– Conseguiu um trabalho?
– Sabe a rodovia que liga nossa cidade a Nova Jericó? Finalmente saiu a verba para a reforma, estamos trabalhando feito burros de carga.
– Agora que eu vi que as tuas roupas estão cobertas de poeira.
– Cara, trabalhamos o dia inteiro debaixo desse sol quente, e comendo poeira dos malucos que resolvem se arriscar naquela buraqueira. Mas, estamos trabalhando, é o que importa.
(transição, e de volta ao bar)
– Jorge, me serve algo forte hoje.
– Que cara é essa Vicente? Aconteceu algo?
– Você viu a reportagem sobre a inauguração da rodovia que arrumamos?
– Não mano o que houve?
– Estavam lá o governador e meia dúzia de deputados interesseiros. Todos recebendo aplausos e fazendo politicagem no evento. Cara, eu lembro que no início das obras, esses infelizes apareceram lá para tirar fotos de capacete e com “pazinha” nas mãos. Você acredita que eles nem mencionaram os operários em seus discursos? Só falaram de “esforço politico” e outras merdas lá.
– Que saco hein?
– Eu sei que recebi pelo trabalho, e até bem. Mas, sinto que eles simplesmente ignoraram nosso suor derramado naquela estrada. Que se dane, vamos beber!
(transição, de volta ao bar)
– Jorge, me dá uma cerveja. Você viu a reportagem sobre o caminhão apreendido com drogas na rodovia?
– A carreta com o fundo falso? Vi sim, que coisa hein?
– Você não sabe do pior. Eu estava conversando com um policial rodoviário lá no trabalho, o cara me disse que essa rodovia se tornou rota do tráfico. Tudo por causa do asfalto novo e por ser um trecho deserto e com menos fiscalização.
– Caraca!
– Isso sem falar daquele moleque retardado que quase se matou semana passada, capotando o carro em um racha. E tudo isso por que reformamos a rodovia.
– Que isso cara, você não pode ver por esse lado.
– Ah não? Sabe o que o policial me disse quando perguntei se iriam colocar um grupo responsável por fiscalizar esse trecho?
– Não
– A secretária de segurança pública mandou avisar que o governador não liberou a verba para equipamento e manutenção de um posto policial. Estamos abandonados e ignorados por esses infelizes. Era melhor quando essa rodovia estava in-transitável, tínhamos menos problemas.
(nisso chega um terceiro homem)
– Vicente, Jorge, como estão?
(Jorge) – Bem cara! E você Júlio? Por que tava sumido?
– Rapaz, meu menino teve um problema no intestino, não comia e vomitava muito. Há dois meses tivemos que levar ele correndo pro hospital. E o único médico especialista na área trabalha em Nova Jericó. Ainda bem que a rodovia está um tapete, ele chegou e foi direto pra sala de cirurgia. O médico me disse que, se tivéssemos demorado, ele não teria sobrevivido.
(Vicente) – E, como ele está?
– Muito bem, já está liberado para comer de tudo. Minha mulher fez um bolinho pra comemorar, e vim aqui buscar alguns refrigerantes.
(Jorge) – Que noticia boa Júlio.
– Agora eu tô tranquilo, mas vocês não podem imaginar o desespero e a sensação de desamparo ao ver meu menino com dor e sem ninguém para ajudar. Ainda bem que achamos socorro em Nova Jericó.
(Vicente) – Sabe de uma coisa Júlio, você me deu a melhor notícia desses últimos dias. Faço questão de pagar os Refri, e vou lá visitar o seu moleque com um presentinho.
– Obrigado amigo. Vá sim, estaremos esperando.
(Passos do Júlio saindo)
(Vicente) Você tinha razão Jorge. Nosso trabalho não foi em vão, eu só estava olhando na direção errada. Saúde!
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Texto “Em um bar”: Alexfábio Custódio
Edição e masterização: Chico Gabriel
Vozes: Alexfábio Custódio, Ariel Jaeger e Chico Gabriel
Arte da vitrine: Daniel Sas (portfolio)
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Duração: 00h11min05s
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