Ahoy meus caros marujos!
Ontem eu tive um encontro inesperado em uma taverna do porto. Sentado sozinho em um canto pouco iluminado, e acompanhado apenas de uma garrafa de aguardente pela metade, estava o senhor Tomaz.
Tomaz era um jangadeiro sorridente e prestativo. Passava o dia transportando cargas e passageiros pelos canais de sua cidade. Eu me divertia com nossas conversas, ele sempre tinha algum caso engraçado para contar. Eu me lembro de, por diversas vezes, encontrar o Tomaz em vários lugares, e ele sempre respondia às minhas saudações com “Deus guia minha jangadinha!”
Tão diferente da figura melancólica da taverna. Logo fiquei sabendo que uma doença tinha levado embora a luz de seus olhos. E a meia hora de conversa que se seguiu foi carregada de amargura. Tomaz questionava o amor de Deus por ele. “Ele me abandonou … Por que isso aconteceu com alguém que nunca fez mal a ninguém … Se Deus realmente existisse, e fosse justo, não faria isso comigo”.
Em certo momento de nossa conversa na taverna ele me disse: “Vai lá, faça como muitos outros, diga que estou sendo injusto e ingrato para com Deus”.
Eu até senti vontade, mas… como eu poderia entender o que se passava em seu coração? Resolvi apenas compartilhar uma história semelhante. Contei de como meu pai reagiu ao receber a notícia de sua doença terminal. Ele estava no momento mais feliz de sua vida, e subitamente, descobriu que estava muito doente.
– Eu e meus irmãos chegamos a temer que nosso velhinho tivesse uma crise de fé, algo semelhante ao que você está vivendo. No dia seguinte, ele apareceu com planos de viagens com minha irmã caçula e meu sobrinho, desejo de comprar um barco de pesca, e outros mais. Nós logo percebemos que ele decidiu viver intensamente, e foi o que ele fez até seu último dia.
Tomaz, com os olhos marejados de lágrimas, me perguntou de onde meu pai tirava forças para continuar. Eu disse que durante uma viagem, para visitar um médico distante, meu herói me confessou o segredo de sua paz de espírito:
– Filho, por muito tempo eu tive saúde perfeita, mas estava perdido em meus vícios e distante de minha família. Deus me perdoou e me reuniu a vocês. Se Ele tivesse me dado apenas um dia dessa felicidade, eu seria eternamente grato, mas, veja como Ele é misericordioso, e com quantos dias ele tem me presenteado! Que motivos eu tenho para suspeitar do Seu amor ou cobrar algo Dele?
Amigos, a fisionomia do velho Tomaz ficou diferente. Com um sorriso no rosto ele me disse: “Tenho sido um cego teimoso! Como eu pretendo continuar remando minha jangada? Tá na hora de confiar MESMO os remos nas mãos certas”.
Confesso que sai contemplativo e emocionado dessa conversa. Como é fácil acreditar que Deus está no controle quando todas as portas estão abertas em nossa caminhada. No entanto, basta as nuvens negarem águas, ou as fontes se secarem, para que nossas orações se transformem em amontoados de “porquês” e murmurações. Somos jangadeiros cegos e teimosos, propensos a não reconhecer o verdadeiro condutor.
Vocês se lembram do desespero dos discípulos naquela ocasião em que eles estavam navegando, e uma tempestade de vento tornou as águas em uma grande ameaça?
Até o inicio da tempestade, o assunto da embarcação era o sermão de Jesus e a multidão reunida. Expectativas e conjecturas eram formuladas acerca do Reino de Deus anunciado pelo mestre, que estava em um merecido repouso na popa do barco.
No entanto, bastaram as primeiras ondas fortes e um pouco de água no rosto, para roubar a serenidade daqueles discípulos. A inquietação deu lugar ao desespero, e o desespero à histeria!
Em meio a gritos e lamentos, alguém passou a considerar o repouso de Jesus algo ofensivo! “Como ele pode dormir tão tranquilamente enquanto caminhamos para a morte iminente?” O resto vocês conhecem. Jesus acalma a tempestade e critica os discípulos por sua falta de fé.
Não adianta marujos, faz parte desta nossa natureza mesquinha não aceitar as ocasiões ruins como algo necessário para nosso desenvolvimento. Colocamos a culpa no acaso, no Diabo, ou até mesmo culpamos Deus por nos ter abandonado.
Mas Ele está lá, na popa do barco, sereno e tranquilo. Esperando que vocês entendam o privilégio de estar nessa embarcação, mesmo em noites tempestuosas.
“Porquanto, ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas da malhada sejam arrebatadas, e nos currais não haja vacas, todavia, eu me alegrarei no SENHOR, exultarei no Deus da minha salvação” (Habacuque 3. 17 e 18).
(Texto bíblico citado na História: Marcos 4. 36 a 41)