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À Deriva #06 – O Grande Dilema de Jack

Nesses últimos meses Jack estava passando por um grande dilema, de modo que nossa história, muito por falta de criatividade deste que lhes conta, se chamará “O grande dilema de Jack”.

Jack nasceu num dia 23 de agosto, às 0h17, mas queria ter nascido no dia 22. Isso talvez fizesse com que seus amigos nunca tivessem inventado essa piada idiota que acompanhou a sua vida desde sempre:

— Jack, você é virgem por 17 minutos e nunca deixará de ser!

Eu disse que a piada era idiota, mas é esse tipo de coisa que a gente guarda na memória quando é adolescente e nunca mais esquece, não é mesmo?

O número 17 marcou pela segunda vez a sua vida com um fato bastante importante. Foi com esta idade, tardia para alguns, que Jack beijou na boca pela primeira vez. Não exatamente “beijou”, mas ganhou um beijo. Foi em um aniversário do primo, no interior. Priscila aproveitou que ninguém estava por perto e, ao invés de se declarar, inventou uma lorota qualquer, aproximou-se do rosto de Jack e lhe tascou um beijo. Foi apenas um selinho roubado que pegou Jack num momento de distração. E isso foi tudo o que aconteceu entre Jack e Priscila naquele dia. Na verdade, como Jack não sentia nada por Priscila, passou a evitá-la nas poucas ocasiões em que se encontravam. Logo Priscila percebeu que suas intenções não dariam em nada e nunca mais tocou no assunto. Mas, apesar de ter sido com a pessoa errada, isso despertou uma faísca no coração de Jack que jamais seria esquecida.

Quase um ano depois Jack começou a namorar. Desta vez a garota foi escolhida. O nome dela era Fernanda, dois anos mais velha. Foi o pessoal da escola que a apresentou a Jack em uma festa. Fernanda era meio esquisita e andava com um pessoal mais barra pesada, mas isso não impediu Jack de gostar dela. O namoro com Fernanda era relativamente sério, mas Jack não queria que sua família a conhecesse. Sabia que não gostariam dela e não aprovariam tal namoro. Como Fernanda não se importava com isso, seguiu o namoro às escondidas sem nenhum problema. Foi nesta época em que Jack deixou de ser virgem, pelo menos em um dos sentidos.

Mas tenho que lhes contar sobre o dilema do título da nossa história. Ele surgiu alguns meses depois que Jack perdera sua virgindade. Tudo ia muito bem entre Jack e Fernanda até que fez aquela viagem e, nela, surgiu o nome de um certo sujeito.

Jack já ouvira falar daquele cara em algum momento da vida, porém não se lembrava mais de quando ou onde. Na verdade, a única lembrança que ainda guardava é que, na ocasião, dera de ombros àquele nome. No entanto, o nome daquele cara surgiu novamente. Nesta viagem que fez com alguns amigos, desta vez sem a Fernanda, o Pedro começou a contar de uma briga feia que tinha acontecido há alguns dias e de como o tal cara tinha sido importante para ajudá-lo a resolvê-la. O Alberto se empolgou e começou a contar daquela vez em que ele o salvara de um acidente que quase aconteceu no carnaval do ano passado. A Lídia então contou que ele tinha sido muito gentil com ela quando passou um perrengue danado com a sua mãe. O Chico exaltou a importância de seus conselhos quando estava a ponto de abandonar sua noiva por um motivo besta. E cada um começou a elogiá-lo por um motivo diferente. Aquele cara parecia ser perfeito demais e isso incomodava Jack, apesar de que, estranhamente, percebeu que se empolgava ao ouvir tais histórias.

Quando Jack voltou da viagem, contou à Fernanda sobre aquele cara e sobre todas as histórias que ouvira a respeito dele. Ao mesmo tempo em que contava, Jack tentava se convencer de que aquilo não significara nada, mas foi ao notar certo ciúme na reação de Fernanda que percebeu, com grande assombro, um sentimento estranho brotando em seu coração. E, ao dizer isto, vocês devem pensar em algo imenso e totalmente improvável.

Jack começou a se martirizar por nutrir um sentimento meio que de amor por este cara. Jack nem o conhecia pessoalmente, como ele poderia assaltar seu coração dessa forma? O que significava isso? Jack gostava de mulher e esse novo “amor” ia contra tudo o que Jack acreditava!

O que as pessoas pensariam? Jack repudiava esse tipo de gente desde sempre. Mais do que repudiava, sentia nojo delas. Tentava se convencer de que aquilo não estava acontecendo. De que não sentia nada por aquele cara, mas era inútil. Quanto mais se esforçava por repudiar aquele sentimento bizarro, mais percebia que sua vontade era de conhecê-lo e, pasmem, de tê-lo só para si.

Mais alguns dias se passaram e Jack continuava sem saber o que fazer. Será que deveria procurá-lo? Será que deveria se apresentar e contar tudo o que sentia? E o medo da rejeição? Será que ele seria tão amável e compreensivo como fora com seus amigos? Será que ele iria aceitar um relacionamento desses? Afinal, Jack sabia que, se quisesse tê-lo, teria que abandonar não somente Fernanda, mas trocar radicalmente sua orientação sexual. O que seus amigos diriam? O que Fernanda diria?

Fernanda logo percebeu que Jack estava em crise e tinha certeza de que o motivo era aquele cara. As brigas começaram a ser frequentes, até que Fernanda deu um ultimato:

— Jack, se você for atrás dele, eu vou te abandonar. Eu não acredito que estou passando por isto! Se você seguir com essa ideia ridícula, nunca mais olhe na minha cara!

Finalmente, Jack resolveu meio que se abrir com alguém. Ok, mais ou menos. Chamou Pedro e Chico para uma pizza em sua casa e, como quem não quer nada, apenas mencionou o nome daquele que trouxera tanta turbulência a sua vida. Os dois, muito surpresos por justamente Jack tê-lo mencionado, começaram a contar mais sobre o tal cara, até que Chico fez um convite que fez Jack tremer:

— Depois de amanhã, à noite, nós vamos à casa dele. Quer ir com a gente?

O coração de Jack disparou. A vida toda passou em sua mente em segundos, e a única coisa que conseguiu responder foi que iria pensar a respeito.

Pedro e Chico foram embora de sua casa depois da uma da manhã, mas quem disse que Jack conseguiu dormir naquela noite? Passou a noite em claro, desenhando na mente todas as hipóteses do que significaria tudo aquilo. Pensou em todos os cenários que viveria se seguisse adiante com essa ideia louca. Será que ainda seria capaz de ignorar todo aquele novo sentimento e seguir a vida normalmente? Será que conseguiria arcar com as consequências de mudar tanto assim o seu estilo de vida? Será que aguentaria perder a Fernanda, que tanto amava? Será que conseguiria mudar sua orientação sexual?

Enfim, Jack decidiu que era hora de agir. Criou coragem, sabe-se lá de onde, para se abrir com a Fernanda. Ela chorou por horas e, finalmente, cumpriu sua promessa de

fim de relacionamento. Jack chorou quando viu Fernanda pela última vez, mas seguiu adiante com seus planos.

Finalmente, chegou a fatídica noite. Pela primeira vez na vida, Jack se preocupou com a roupa e o perfume que usaria. Apesar de todas as mudanças de vida que esta decisão implicava para si, a sua maior preocupação era como esse cara reagiria a tudo isso. Será que ele compreenderia o sacrifício que Jack estava fazendo ou ganharia como resposta o seu repúdio? Será que ele retribuiria esta ação com amor, compreensão, indiferença ou nojo?

Quando Jack chegou à casa dele, percebeu que tinha muita gente lá. Muito mais gente do que esperava; mas, apesar do medo, seguiu adiante e entrou. Uma vez lá dentro, sentou-se e ficou em silêncio. Enquanto as outras pessoas pareciam muito confortáveis, Jack travava uma batalha velada em seu interior. Até que foi inevitável ficar em silêncio. O anfitrião percebeu sua presença ali e, com um grande sorriso no rosto, perguntou:

— Olá. Qual o seu nome?

Com as pernas tremendo, se levantou e respondeu com a voz mais meiga que lhe era possível:

— Jaqueline, mas todo mundo sempre me chama de Jack.
— Seja muito bem-vinda à casa do Senhor Jesus Cristo.
E este foi o início de um verdadeiro e eterno relacionamento.

 

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Texto “O Grande Dilema de Jack”: Thiago Monteiro (TAM)
Gravação, edição e masterização do áudio: Chico Gabriel
Artes gráficas: Daniel Sas (portfólio)

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