Seria possível um homem cometer algo a ponto de torná-lo o inimigo público de um planeta inteiro? Claro que sim, esse homem existe, e vive entre nós como se nada houvesse acontecido.
Michael E. Brown, astrônomo de cinquenta dois anos, com formação em Berkeley e Princeton, leciona ciência planetária na Universidade da Califórnia, como se seus atos contra um planeta inteiro não tivessem acontecido.
E o mais irônico nessa história é que mike admite livremente seus atos. Ele é autor do livro How I Killed Pluto and Why It Had It Coming (Como eu matei Plutão e como isso aconteceu). Nessa obra ele narra como as suas pesquisas levaram a União Astronômica Internacional a rebaixar Plutão à categoria de planeta anão em 2006, retirando o corpo celeste da primeira divisão do sistema solar.
A descoberta de Haumea, Makemake e Éris, planetóides com órbita além de plutão, levaram os cientistas a repensar os critérios para a classificação dos planetas. Mike, que é um dos responsáveis pela descoberta de Éris, foi um dos criadores da alcunha planeta anão.
Como será que os plutonianos, plutonienses, plutórios (ou seja lá qual for o adjetivo correto), receberam essa nova classificação? Um dia você o menor dos planetas, mas um planeta; em outro dia um incherido da terra descobre um planetóide maior que Plutão e rebaixa o seu planeta!
O tamanha e a órbita um pouco irregular levaram Mike e seus companheiros a desprezarem Plutão. Será que eles não poderiam ter sido menos criteriosos? Será que eles não levaram em consideração os sentimentos de Plutão?
Posso até imaginar a ligação da Terra para anunciar a decisão:
- Oi Plutão, beleza?
- Fala planetinha azul, qual é a boa?
- Então cara, sabe aquela galerinha nova?
- Haumea, Makemake e Éris? Eles são de boa.
- Então, os mais conceituados cientistas daqui se reuniram para discutir a posição deles.
- Eles vão entrar para o sistema? Que legal!
- Na verdade não. Nós criamos uma nova categoria de Planeta Anão, e a partir de hoje, você já não faz parte do sistema solar.
- Hã?
- Se Éris que é maior que você não pode ser considerado um planeta, repensamos e mudamos a sua posição.
- mas, isso não é justo!
- Sejamos sinceros Plutão, você sempre foi menor e mais apagado que todos nós. Sem falar dessa sua órbita torta. Sentimos muito mas a decisão já foi tomada. Já cancelamos sua carteirinha do sistema e colocamos Júpiter como segurança, só por precaução. Adeus anãozinho.
Verdade seja dita, os habitantes do planeta azul são muito zelosos em manter os critérios estabelecidos e todas as coisas são enquadradas em categorias. E o excesso de zelo pode criar desprezo. Muitos frutos saborosos e nutritivos são desprezados por não terem boa aparência, animais de raça “pura” são os pets preferidos e os mestiços ficam à margem da adoção.
E, para a nossa tristeza, encontramos esse zelo excessivo, desprezo mesmo, até no meio cristão. Todos os meses lemos o texto de 1Co 11 a partir do versículo 23 nos cultos de Santa Ceia, e muitas vezes esquecemos o contexto da passagem. Paulo estava lidando com uma divisão terrível da igreja em Corinto, alguns dos irmãos eram desprezados justamente no momento cerimonial que enaltece a comunhão da membresia com o seu Redentor.
Tomo a liberdade de assumir a primeira pessoa na escrita desse texto para relatar algumas experiências. Eu já vi pessoas desprezadas no meio eclesiástico por classe social, cor de pele, grau de escolaridade e , por incrível que pareça, até por seu sotaque.
Será que o sacrifício de Cristo vale mais para uns do que para outros? às vezes parece que algumas pessoas se consideram de uma casta superior, ignorando sua natureza caída.
Quando Jesus estava observando as pessoas levando ofertas ao templo, ele ignorou aqueles que praticamente convocavam uma coletiva de imprensa para registrar as suas ofertas, mas exaltou o coração piedoso de uma mulher pobre que entregou suas únicas moedas (Lc21. 1-4).
Quando Deus precisou mostrar aos apóstolos que o evangelho também deveria alcançar os gentios, Pedrão precisou repensar seus nacionalismos. Quando ele viu todos aqueles estrangeiros na casa de Cornélio cheios da presença do Espírito, teve que entender que Deus não se limita por fronteiras ou adjetivos pátrios (At 10).
Eu já ouvi histórias de pessoas que passaram anos fora do convívio da igreja por que vacilavam, eram reincidentes em alguns erros, e alguém com coração de pedra o chamou de “perdido e irreconciliável”. Eu já testemunhei falsos pastores exortar pessoas chamando-as de “lobos vestidos de ovelhas”, quando na verdade a pessoa era uma ovelha um pouco mais arisca, que necessitava de mais cuidado. Testemunhei a transformação na vida dessa pessoa, e o mesmo “pastor” tentando arrastá-lo de volta depois de bonitinho e bem cuidado.
A verdade é que desprezar demanda muito menos energia e recursos do que cuidar, amparar, estabelecer relacionamentos. Imagine se o pastor da parábola das cem ovelhas tivesse percebido a falta de uma e pensado: “É uma rebelde mesmo, por mim ela morre seca no deserto para aprender!”
Nosso primeiro desafio é aceitar a condição de escada. Sempre tem alguém que alcança uma prateleira mais alta, e pode ajudar um menorzinho a alcançar a mesma. Decidamos ser escadas. Adotemos uma pessoa com alguma dificuldade que já vencemos. Oremos, vibremos e choremos juntos com eles. Isso é discipulado.
Sejamos zelosos, não a ponto de chegar ao extremo do desprezo. mas, como bons despenseiros da graça de Deus, velando por aqueles por quem nosso Senhor fez o maior dos sacrifícios.
Que Deus abençoe os pequenos e de caminhos sinuosos, não serão desprezados.