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À Deriva #16 – Renúncia de cidadania

– Bom dia, aqui é do governo federal não é?

– Ah, ótimo acho que é mesmo o lugar que estou procurando.

– Olha sr., eu acho que trouxe tudo. Aqui está: minha certidão de nascimento, minha carteira de identidade, meu certificado de reservista, meu título de eleitor, meu CPF, minha matrícula no INSS, meu passaporte, minha carteira de motorista, meu cartão de aposentado, meus cartões de crédito, de farmácia, de plano de saúde e até do Smilles da Varig.

– Minha questão é a seguinte: eu estou renunciando a minha cidadania

– Isso mesmo — eu quero deixar de ser brasileiro

– Como não posso fazer isso?

– Depois de tudo que fizeram comigo?

– O sr. Sabe? Eu sempre fui orgulhoso de ser brasileiro, da nação, da cultura, das riquezas naturais e principalmente do povo. Mas agora, veja o que sobrou — nada ou quase nada

– Eu hoje, tenho até vergonha de dizer que sou brasileiro. Nossa cultura está se tornando uma anti-cultura, uma não cultura — é a tirania da má formação, da violência, da criminalidade, da corrupção, das drogas, da esperteza, da safadeza, malandragem e imoralidade.

– Nossas autoridades são o pior exemplo que existe para qualquer tipo de boa educação e padrão moral. Eles mentem descaradamente. Não têm palavra. Repetem a mentira como uma estratégia maquiavélica até que o povo não saiba mais o que é verdade ou mentira e acabe acreditando piamente na mentira.

– Roubam a céu aberto, deixam provas e impressões digitais, são corruptos e corrompem. A justiça é impotente ou conivente, pois o que realmente predomina é a impunidade.

– Fizeram novamente o Brasil uma Capitania Hereditária, onde os “Coronéis” mandam e desmandam. Transformaram o Brasil todo numa grande pizza e cada um deles ficou com uma fatia. Pobre Brasil!
Quantos policiais e agentes alimentam a corrupção tirando a sua porção do suborno.
Muitos advogados existem para defender quem tem dinheiro e poder. Eles podem levar celulares para os bandidos presos sem nada lhes acontecer. Eles se ocupam em como burlar as leis a favor de seus clientes e não em fazer justiça.

– Pastores e igrejas, isso mesmo, até eles — enriquecem às custas da fé dos inocentes úteis que mais se preocupam com as bem aventuranças do reino dos homens do que com a justiça do reino de Deus.

– E quantos empresários e comerciantes praticam o capitalismo selvagem como se o sucesso financeiro pudesse se tornar um troféu de dignidade.

– Nossas riquezas naturais estão sendo dizimadas por interesses maiores, sem que se faça realmente algo para protegê-las. Desmatamento, queimadas, grilagem são a regra e ninguém faz nada, ou ninguém consegue fazer por causa dos poderes e interesses ocultos. Você já viu algum grileiro ou madeireiro ser punido? Os animais estão em extinção, e nada os salvará… porque não é economicamente interessante preservá-los.

Ah, e o povo? Sim o povo sempre foi o meu último consolo, meu último argumento e a minha última esperança. O povo é bom, é amigável, é alegre, hospitaleiro, é honesto.
É? Eu também achava. Agora não acho mais.

– O povo se vende por um punhado de reais, por favorecimentos em repartições públicas, por subornos aos fiscais.

– O povo perdeu a moral, perdeu o referencial. Está à mercê de qualquer tirano que lhes dê pão e circo. A um povo assim eu não quero mais pertencer não.

– O povo vendeu sua dignidade por um prato de comida. O povo se mistura com invasões ilegais de terrenos alheios. A endeusada comunidade abriga, apóia e protege traficantes e bandidos.
A maioria segue a tradição cultural de tirar proveito de tudo o máximo possível, a lei da vantagem.

– O suborno, o “por fora”, molhar a mão… são condutas cotidianas consideradas lícitas e aceitas com a maior naturalidade. Corruptor e corrupto se aliam para cortar caminho, evitar multas, regularizar documentos e qualquer outra tramóia que seja necessária.

– O povo elege ladrões, corruptos e mensaleiros com o mesmo descaramento típico dos seus políticos eleitos.

– Por quê? Por que seus eleitores querem alguma vantagem em troca. Vendem seu voto para quem lhe promete uma cesta básica, um emprego para o sobrinho, ou namorado da neta…

– Esse é o povo brasileiro? Antes não era. Antes, esses eram os bandidos, os sem vergonha, os corruptos. Agora, parece que esses mesmo são o próprio povo brasileiro. E os estudantes, os sonhadores românticos de um mundo melhor.

– Onde estão os que lutaram contra os abusos e corrupção da ditadura? Talvez empijamados em Brasilia, usufruindo das benesses de sua ideologia fajuta.

– Onde estão os caras-pintadas de hoje, para ir às ruas protestar contra essa vergonha nacional?
Ah, os estudantes de hoje… eles estão ocupados demais em passar trotes que exploram sexualmente as calouras. Estão o tempo todo à procura da maconha ou cocaína que seus professores recomendaram. Ou então, estão de ressaca pela orgia de ontem na república da faculdade.

– E a UNE, que deveria representar os estudantes brasileiros nesse grito pela ética e moral no governo e no país? Está aí, aparelhada, apadrinhada, amordaçada e dominada por interesses políticos, ideológicos e partidários. Sustentada por empresas estatais, parece mais um sindicado de estudantes alinhados, e um fantástico cabide de emprego para “estudantes profissionais”, que estudar não estudam nada, não se formam nunca, mas estão ali, à disposição do interesse espúrio da classe política dominante.

– Então moço… o que me sobra?

– Saber que Deus é brasileiro, não mesmo! Não o meu Deus, que é santo e justo, por isso mesmo não pode ser brasileiro!

– Mas o Brasil é uma terra maravilhosa. O país terra, terreno, território? É certo que é um país lindo, com riquezas imensuráveis.
Esse mesmo do desmatamento, das queimadas, dos rios solapados por loteamentos ilegais e grileiros.

– Mas… eu preferiria fazer parte de um povo sem terra, do que viver numa terra cujo povo não é digno dela!
Agora, não me falta mais nada. Já vi tudo!

– Toda a minha esperança de desvaiu.
Não vejo solução.
Não tem mais jeito.

– Por isso eu estou aqui falando com o senhor.
Eu quero deixar de ser brasileiro.
Eu quero renunciar a minha cidadania.
Estou pedindo uma espécie de asilo político.

– Eu quero trocar todos esses documentos todos por uma carteira R.N.E. (Registro Nacional de Estrangeiro). Antiga Carteira modelo 19.

– Mas… sabe de uma coisa…
Vou pegar tudo de volta. Não vou desistir não.

– Que fique registrado esse meu grito de protesto, meu desabafo e a minha oração.
É o clamor de quem gostaria de ser bem aventurado por ter fome e sede de Justiça, mas que enquanto não é saciado, engole seco e passa fome!

“Que Deus tenha misericórdia de nós e levante nesse país alguns homens da verdade, da honra, da dignidade, da ética e da moral, e que também traga justiça sobre os maus, injustos, corruptos e aproveitadores do povo! E que Deus faça da Igreja e dos seus filhos, luz e sal do nosso Brasil.”

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Texto “Renúncia de Cidadania”: Daniel dos Reis
Edição e masterização: Chico Gabriel
Arte da vitrine: Chico Gabriel

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Duração: 00h10min54s
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