Desde criança sempre ouvi, tanto na igreja quanto em casa, que existem dois tipos de música: música evangélica e música do mundo. Música evangélica, segundo o que me ensinaram, é aquela que em sua letra traz mensagens supostamente religiosas e que fazem referência a Deus. Já a música do mundo é aquela que não traz palavras de cunho religioso e são, em sua grande maioria, compostas por pessoas que não são crentes. As pessoas que me ensinaram isso sempre me disseram que eu, por ser evangélico, só poderia ouvir música evangélica, pois a música do mundo não foi feita pra louvar a Deus. Mas eu sempre tive muitos questionamentos sobre esse entendimento.
Meu objetivo com esse texto é refletir sobre os argumentos utilizados por quem defende a visão acima e testá-la diante da prática e da vivência cristã no mundo em que vivemos. Pra isso, vou fazer uso de uma situação do dia a dia. Então vamos lá!
Imagine o seguinte diálogo entre dois amigos evangélicos que acabaram de voltar de uma exposição de pintores famosos:
-Tá lembrado do primeiro quadro que vimos naquela exposição?
-Aham. O que tem ele?
-Ele foi desenhado por um artista que não é cristão.
-Ãh?
-O que você achou? Bonito?
-Sim, belas cores. Uma bela paisagem.
-Você acha que o artista pintou esse quadro pra Deus?
-Não.
-Então ele pintou o quadro para o diabo…?
-Não…
-Então pra quem foi?
-Não sei. Só sei que ele pintou o quadro porque ele é um artista e é isso que um artista faz.
Muito bem, agora vamos manter o diálogo, mas mudar algumas coisas, de forma que a ideia permaneça a mesma. Acompanhe:
-Tá lembrado da primeira música que ouvimos naquele show?
-Aham. O que tem ela?
-Ele foi composta por um artista que não é cristão.
-Ãh?
-O que você achou? Bonita?
-Sim, belas notas e uma poesia tocante.
-Você acha que o artista compôs aquela música pra Deus?
-Não.
-Então ele compôs a música para o diabo…?
– … [som de erro do Windows]
A partir desse ponto do diálogo o cérebro de alguns evangélicos trava.
Você notou como alguns argumentos que aprendemos sobre arte, na verdade, não subsistem na prática? Pois as mesmas pessoas que não apreciam músicas feitas por artistas que não são crentes, paradoxalmente consomem todo tipo de arte produzida por não crentes, como por exemplo, o cinema a literatura, ou, pra mantermos a linha de raciocínio, as artes plásticas.
Nós fomos ensinados que música que não foi composta por “crentes” não podem ser ouvidas por crentes e o resultado desse aprendizado é que a gente cria guetos exclusivistas, onde não há espaço para apreciação da boa arte, fruto do talento de homens (cristãos ou não) que usam seus talentos pra retratar sua visão do mundo em que vivem, seja por meio da música, do cinema, da literatura ou mesmo da pintura.
Aqui fica minha pergunta: você já se perguntou se o cara que fez o copo em que você bebe água era crente? Então, cuidado. Pra ser coerente, você deve parar de beber água no copo e passar a usar somente as mãos pra isso. Mas mesmo assim, ainda há um risco de “contaminação”, já que você não sabe a “procedência” nem mesmo a fé de quem fez o encanamento que faz a água chegar até a sua residência.
Sei que posso ser apedrejado por tocar nesse assunto, mas não poderia ficar calado diante dessa incoerência no pensamento de pessoas que se dizem iluminadas por Cristo em seu entendimento.
Por fim, o meu desejo é que Deus nos conceda a graça de usarmos a nossa fé com consciência, de forma que sejamos cristãos menos supersticiosos e mais equilibrados.
L.R.